sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Considerações sobre a exposição.

Não importa como, nem aonde, mas tudo aquilo que se faz, que se pretende, que se conquista e que se pensa, pode ser lançado na rede. Uma vez lá, se espalha mais rápido do que o ar.

O mais interessante deste fenômeno é que, uma vez inserido na dinâmica social, se desaprende a viver sem ele. É como uma reação contagiosa. Por mais comedidos que sejamos, em tempos de "grande voz", o silêncio virtual é pior do que o ostracismo, é a total e absoluta inexistência.

Sem a pretensão de julgar, e querendo longa distância da hipocrisia, acredito que seja muito importante lançar luz sobre essa discussão, que por vezes passa desapercebida. No meu ponto de vista, sob o olhar enquanto mulher, nutricionista, professora e militante pela boa vida, gostaria de expor - visto que é disso mesmo que se trata o post - o meu ponto e vista (que são mais indagativos do que sólidos. 

Eis então os meus três pensamentos.

Primeiro, a ética profissional.
Existe um fundamento básico das ciências da saúde, para todas aquelas profissões que lidam diretamente com "o público", que diz respeito ao sigilo. O sigilo, por sua vez, implica em não expor seu paciente. Não contar a ninguém o que foi dividido no consultório. O que vale, inclusive - e pasmem - à internet.
Comemorar conquistas, sucessos, resultados é uma coisa - e, sempre, com o devido aval do referido personagem - mas expor o paciente, ainda quem sem seu nome, aí já é algo muitíssimo diferente. Isso não deve ser feito. Em hipótese alguma. Nunca.

Segundo, a exposição pessoal e a exposição profissional.
Percebo as mais variadas redes sociais como grandes palcos. 
E, se a propaganda é a alma do negócio, se tem um lugar em que ela deveria ser feita, é justamente neste grande palco.
Sem dúvida, e historicamente - ainda que esta história ainda seja curta - as redes sociais são uma forma de marketing pessoal, caso contrário, por qual outro motivo se exibir através dela?
De todo modo, a tênue linha que divide as pessoas dos profissionais que escolherem ser, fica aqui, ainda mais fina. 
Ok... E aí? Qual o problema?
A princípio, nenhum. Porém, se tem empresas que deixam de contratar pessoas muito rabugentas, que fazem uso de certos temos e que postam fotos com roupa de banho, creio que deva haver certa etiqueta virtual a ser seguida. Pois é... Com a exposição continua da vida, parece que tudo pode ser "vigiado": você iria atender um paciente de biquini? Não, óbvio. Mas, se por algum acaso, vocês são amigos no Facebook, corre o risco de ser assim visto... Será mesmo que o "ambiente é outro'?

Terceiro, a confusão entre a nutrição e o mundo fitness.
Nutricionista é o profissional que cuida da alimentação: prega o equilíbrio, a moderação e os benefícios de uma vida mais saudável. A atividade física, se encaixar nesses preceitos, ótimo, será sempre muito bem-vinda. Mas nutrição é comida-e-saúde.
Desculpe, mas o mass midia já faz essa confusão quase que naturalmente - e nos atrapalha por demais - seria ótimo se, em meio a toda essa exposição, os próprios profissionais não endossassem esse equívoco.
O nutricionista pode ser fitness, tem toda a liberdade para isso, mas será que é mesmo uma boa opção patrocinarmos hashtags como #vidamagra #maromba #detox? Será mesmo que vale a penas, depois de tanto estudo e dedicação em uma ciência encantadora, resumi-la ao #foco?

Sem mais.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Nada mais que um reflexo!

Com o coração mais aberto, não me envergonho em dizer que é muito difícil eu ser veementemente contra - de modo ríspido - algum tratamento. 

Observem aqui pelo meu lado. Trabalho com a alimentação e a nutrição do outro. Não a minha mesma. Diariamente ajusto o que o outro deve ou deve não consumir e, até mesmo, como deve ser feito aquele consumo. No final de cada dia, em que eu estou tranquila realizando meu jantar, nem lembrando de um ou de outro paciente, o referido, no entanto, está a consumir aquilo que eu, de alguma forma o determinei

Muito complicado. Uma invasão enorme. 

A ciência muito nos explica, mas não consegue ajustar o paladar, nem sempre é enfática nas melhores escolhas e, honestamente, a falta de educação alimentar (cultivada pela família) de nada ajuda as opções e os gostos de nossos jovens e adultos. 

Mesmo assim, quem sou eu para determinar o que o outro vai consumir?

Ok.
Devo ter mais propriedade para discorrer sobre o assunto, visto a minha formação, a minha prática diária e o meu interesse. Mas, acreditem vocês, não é tarefa fácil... E a pior das respostas a um nutricionista é aquela que vem seguida do desânimo e na tristeza alimentar de seu paciente que perdeu a graça nas suas refeições.

Esta semana, o G1 publicou uma matéria - cuja manchete é brutalmente sensacionalista - sobre uma jovem que, por conta própria, iniciou um "regime" em que suas refeições principais (almoço e jantar) eram os queridos-shakes-substitutos-de-refeições. Como viu "resultados", continuou com o seu "regime" por 8 meses e "perdeu"  13kg. Seu objetivo era estar "em forma"  para o carnaval. 
Até aí, nada de muito surpreendente. 

No entanto, o que a jovem acabou experienciando foi a perda momentânea da acuidade e do controle dos movimentos das pernas. Isso aconteceu pela falta de uma vitamina bastante comum de ser encontrada na alimentação (carnes, peixes, oleagenosas, gema do ovo, cereais...), que não se é necessária para além de 1,5mg/dia - acredite, em uma alimentação, mesmo que desbalanceada, se consegue atingir essa pequena quantidade. Acontece que ela não estava "se alimentando".  

O efeito da Tiamina no corpo, no entanto, é muito importante. Dentre suas funções de conversão e uso de energia, essa vitamina está envolvida com a saúde do sistema cardiovascular e nervoso. Não à toa, a sua carência leva ao Beribéri, doença relacionada à condições gástricas alteradas, perda da sensibilidade nos pés e nas mãos, diminuição da mobilidade, perda da função muscular, dores musculares... Nada bom. Mais ainda para quem gostaria de ficar "linda para o carnaval". 

Como eu disse lá no começo, me desculpem os nutricionistas-perfeccionistas, mas não sou mesmo contra tudo que seja diferente da nutrição mais-que-perfeita, funcional, detox, x, y, z. Gosto de praticidade, e sou honesta com a saúde. Não vejo mal em ajustar - de modo pontual, respeitoso, contido - a dieta ao seu prazer. O ponto em questão aqui é muito mais abrangente do que o usar ou não usar os queridos-shakes-substitutos-das-refeições, há se fosse "só" isso...

E mais ainda, apesar de não concordar, não julgo a atitude da jovem... Julgo a da sociedade como um todo, que acha isso um absurdo, mas vangloria uma beleza impossível. 

O que a motivou fazer isso? Por que foi essa a sua opção? Qual é a noção social que temos de emagrecimento e beleza? Que noção de felicidade é essa em que é mais importante perder 13kgs do que manter uma das necessidades mais básicas do homem? 

Só para esclarecer: "resultado" não é a perda dos quilos, é o bem-se-sentir com a sua rotina, com a sua vida e, sem dúvida (e sem hipocrisia) com seu corpo. Não é o "atingir"  o peso - não somos loja de carro, não temos metas a ser cumpridas. É o manter as conquistas e viver bem com isso. 

Claramente, não será com um "regime" como esse que teremos isso, não?


http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/02/mulher-toma-shake-por-8-meses-e-perde-movimento-das-pernas-no-es.html



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Meu corpo, meu vicio.

Dopamina é uma substância produzida no cérebro relacionada a nossa sensação de prazer e de bem estar.

É motivadora. É instigante. Determina e condiciona muitas das atitudes tomadas pelo bicho homem.

Mamãe Natureza, como toda boa mãe, gostaria quer fossemos felizes. Para tanto, nos ofereceu já de fábrica, o dispositivo que nos faz ir atrás daquilo que nos deixa felizes (ou nos dá prazer). E, de modo bastante perspicaz, o gatilho é a própria felicidade (o prazer, no caso).

Quando isso está descompassado, surgem os vícios.

A senhora que devora uma caixa de bombom em cada uma de suas frustrações... O usuário de drogas que não consegue ver-se livre delas... O praticante de corrida que, mesmo com febre, ou sob a tempestade, segue com sua planilha de treinos... E por aí vai...

Guardadas as devidas proporções, todos estão motivados pela sensação de bem-se-sentir da dopamina.

Pois bem.

O vício, na minha leitura, é aquilo que não apenas é "preciso fazer", mas também que atrapalha a vida de quem o percebe como necessidade absoluta. O condicionamento orgânico é o início, aquilo que leva ao "preciso fazer". A sua metamorfose em "necessidade absoluta" é, por sua vez, a exacerbação do gatilho da Mamãe Natureza, que se manifesta nas variadas esferas do homem: emocional, comportamental, psicológica, afetiva... tudo, inclusive, bioquímica.

Neste ponto, quanto toco na necessidade absoluta, não consigo me privar de considerar a construção do corpo como um vício. Que, enquanto objetivo, permeia mentes e almas; Enquanto assunto, impera nos relacionamentos e nos diálogos; Enquanto conduta delineia vidas, e; Enquanto ideal, decide caminhos.

Se todo vício é o que se torna necessidade, que coordena nossas ações e atrapalha a nossa vida, creio que não seja exagero afirmar que sofremos com mais um vício contemporâneo: a-busca-do-corpo-perfeito.


sábado, 1 de fevereiro de 2014

Por favor, não venha mexer no meu campo!

Pierre Bourdieu, pensador francês, fez interessantes considerações quanto a estrutura e inter-relação entre, o que ele denominou de agentes sociais.

Na situação que percebo hoje, acredito que vale a pena um breve resgate destas considerações.

Em seu raciocínio, as pessoas são "agrupadas" em campos sociais, conceito que se aplica a variados aspectos da vida (e da sociedade, por assim dizer). Como o exemplo que aqui nos cabe, a profissão é um dos fatores determinantes a este "agrupamento".
Pois bem, cada campo possui seus agentes específicos, que, por sua vez, ocupam posições específicas e travam relações de poder na disputa dos melhores espaços no seu interior. 

Para clarear um conceito bastante teórico, busquemos aqui um exemplo que nos auxilie: a área da nutrição.

Nutricionistas se organizam dentro do "campo social da nutrição" segundo suas respectivas qualidades. Poder e prestígio, são valores inerentes ao campo, decorrentes do conhecimento científico na ciência da nutrição. Por assim dizer, é este valor interno que determina as "melhores" e "piores" posições no campo.

Ainda segundo Bourdieu, os campos (e as relações dentro deles) podem sofrer interferências alheias à sua dinâmica própria, vindas de um agente externo cuja força é capaz de alterar o seu interior. Quando isso acontece, o poder e o prestígio social não mais é determinado apenas pelas forças internas, podendo enfraquecer a dinâmica e, não difícil, o valor interno.

Voltemos a nosso exemplo.

O campo da nutrição sofre uma série de interferências. Uma vez que a alimentação e a nutrição são necessárias a todos os organismos vivos, o objeto de estudo da nossa área acaba se tornando muito próximo às pessoas. De um modo geral, pode parecer que se trate de um "conhecimento comum", deixando as portas abertas para que todos infiram a este respeito. 

.Além desta proximidade natural, há de se considerar também a correlação entre a nutrição e o modelamento do corpo. A indiscutível ansiedade no consumo deste corpo, por assim dizer, torna a nutrição (ou as inferências populares e promissoras a respeito) uma pauta onipresente. 

Pronto. Está feito. A nutrição se consagra "na boca do povo".

Na contemporaneidade, quem tem voz, é quem realmente "existe". Se não se pronuncia, não se é "visto", logo, nem se quer "existe".

A exposição midiática na ponta dos dedos, através das redes sociais e dos adventos tecnológicos, faz com que a "voz" de quem se exponha seja, realmente, muito alta.

De tão alta, ela interfere nos campos sociais. Alterando as relações intra-campo, em uma entrave entre "quem estudou para ter o conhecimento" e  "quem está a gritar pelos quatro cantos do mundo sobre o assunto". Poder e prestígio sobre o determinado tema, assumem aqui uma característica distorcida, alheia ao seu campo original. 

Blogueiras, "intagramzeiras", "diqueiras"... Me desculpem, mas no nosso campo, a conversa é seria. Nossas relações são travadas pelo conhecimento científico, pautada em sólidas disciplinas como a bioquímica e a fisiologia. Aqui, no nosso campo, nossos resultados não vêm de milagres e promessas sem sustentação, tão pouco de propagandas.  Isso aqui é o nosso trabalho.

Para quem vê de fora, é fácil de se confundir com os falso status no campo social. A confusão é, sem dúvida, muito fácil. A exposição midiática - das pessoas e do próprio "conhecimento" que se prega - confunde a noção coletiva. 

Lamento muito. Quem sofre o real impacto, no fundo, não somos nós - aqui, do campo da nutrição - mas sim a coletividade, que se depara com uma falsa ciência e a aceita, entorpecida que está pelas promessas daquela que "conquistou o corpo desejado". Quem sai perdendo, em outras palavras, são os próprios "curtidores" que compartilham seu "#foco" e suas "#dicas". 

Por favor, queridas, não venham mexer no meu campo.