sábado, 27 de setembro de 2014

Glúten & O Globo Repórter

Eu sabia que seria assim. 
Tinha certeza. 

Eis que o Globo Repórter quis falar agora do pão. E assim o fez. 
"Da onde vem, o que faz, como ele te engorda...? Veja no Globo Repórter!".

E cá voltamos nós para o dilema pós-estrago midiático. Sei que já escrevi sobre isso - exatamente a respeito deste programa - mas não posso evitar: é preciso lembrar que o programa é um produto cultural, que precisa "se vender". 

Quanto mais gente assistir, melhor... Claramente, a escolha do tema foi assertiva: pauta polêmica (pela falta absoluta de consenso e da grande legião de "seguidores doutrinatarios"), pela presença constante do objeto da discussão na vida cotidiana (quem não come pão?) e, sobretudo, pela relação cruel com a vedete contemporânea da "perda de peso". 

Ótimo. Jornalistas e editores fizeram a lição de casa direitinho: e tiveram seu produto consumido em larga escala. 

Infelizmente, para quem trabalha com a nutrição como "coisa seria", para quem a respeita enquanto ciência, para quem literalmente vive dela, foi - novamente é como de consume - uma tristeza. 

Na alimentação não há vilões e mocinhos. Não existem receitas milagrosas. Não há privação desnecessária que seja a resolução dos problemas da vida - muito menos da "perda de peso". 

Enquanto profissional da área - que terá muito trabalho nas próximas semanas para minimizar o eco gerado em rede nacional - vale lembrar que não há comprovação científica suficiente para a retirada do glúten da dieta de indivíduos saudáveis, e o Conselho que ampara as resoluções e normativas da nossa prática profissional, carimba em baixo. É possível, inclusive, denunciar quem vai contra... Ou, melhor, quem vai a favor da maré da mídia.  

Mas é intrigante como gostamos de promessas e soluções... Como gostamos de uma restrição. E, mais interessante ainda, adoramos a chancela de "qualidade" advinda do respeito adquirido da grande mídia. 

Bom, vamos enfrente... Qual será a nova maravilha? Qual será o novo "veneno"? Sigo ansiosa no aguardo. 


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Nosso corpo nos representa, mas não nos resume.

Não é difícil alguém me perguntar o motivo desta "história de comentar contra o corpo ideal" ser tão importante para mim...

Me perguntam, sobretudo, sob a ótica do julgamento - de como sou, e com o que trabalho (da carreira e da especialização que escolhi). Me perguntam como se fosse óbvio buscar essa "tal beleza", e como se eu estivesse "errada" em considerar que talvez (só talvez, aqui com um pingo de ironia), fosse ok não ser mais um representante do padrão. Alguns me perguntam se eu não "canso de bater na mesma tecla", e outros, se a minha atitude não seria "pró-obesidade". (!)

Pois então... A tudo isso, respondo com outra pergunta: por que para todo-o-mundo, o corpo da mulher é tão importante? Mais importante do que ela mesma? Por que a mulher é tão objetificada, sexualizada, reconstruída e seu corpo é tido como "moeda de troca"?

Ao meu ver, o erro na interpretação está justamente em considerar que o assunto termina em si mesmo: no corpo.

O questionamento, por sua vez, reside na própria imediata relação: mulher = corpo.

Sim, temos um corpo, mas ele não nos determina absolutamente. 

Somos mulheres. Filhas, mães, avós, namoradas, esposas, amigas... Somos professoras, advogadas, escritoras, médicas, donas de casa, executivas... Temos tarefas a fazer, responsabilidades para lidar, prazos à cumprir e sorrisos a dar... Temos mais do que formas.

Vagando por aí - nos pensamentos e na internet - cheguei a um artigo de uma colaboradora de um jornal norte americano, que publicou uma coluna especial sobre seus 12 anos de casada, e a felicidade de sua vida. Ela o fez brilhantemente e coroou seu trabalho com fotos do seu dia especial.

Sobre sua linda história de amor e de companheirismo, sabe o que mais chamou a atenção? O que mais lhe rendeu comentários? O seu corpo.

De seu vestido branco, foi sinalizado como lhe marcava "as gorduras", de seu rosto radiante, ressaltaram seu "duplo queijo" e de seu esposo, a "coragem" em se casar com alguém "como ela".

Triste...

Pelas ofensas gratuitas e pelas duras palavras de julgamento - inquestionável. Muito triste pelo fato de que o corpo feminino foi mais relevante do que tudo. Se sobressaiu e a definiu.

Lamentável o reducionismo social da mulher às suas formas...

Pois então, será mesmo que eu preciso defender meus motivos para "bater na mesma tecla"? Ué,  e quem insiste em perceber a mulher como mero corpo (tanto os homens, como as próprias mulheres) também não o faz?

Enquanto acreditar que nosso corpo nos representa, mas não nos resume, eu sigo por aqui. Quem sabe mais alguém me acompanhe. 




http://m.xojane.com/it-happened-to-me/it-happened-to-me-i-wrote-an-article-about-marriage-and-all-anyone-noticed-is-that-im-fat?utm_source=upworthy&utm_medium=pubexchange

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

E os medicamentos voltaram...

Pois é... Eis que chegou o dia da votação final do projeto de (re)comercialização dos medicamentos “emagrecedores” – este projeto foi lançado na Câmara dos Deputados em abril deste ano, pelo Excelentíssimo Sr. Beto Albuquerque (do PMDB de Alagoas).

Em uma retrospectiva breve, os medicamentos em questão são aqueles que, em 2011, haviam sido proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Na época, os profissionais do dado órgão alegaram que, através de todos os estudos e resultados populacionais, os medicamentos avaliados ofereciam mais malefícios à saúde de seus usuários, do que a real conquista dos benefícios que buscavam. Mais ainda, seu uso indiscriminado,  como alternativa (rápida) para o emagrecimento, era inegável.  
Aos meus olhos, a conduta da ANVISA materializou o respeito com o organismo e, no âmbito social, um enorme benefício à saúde pública.

 O projeto de decreto legislativo, diferente das leis, não precisa ser sancionado pelo presidente para que entre em vigor, basta ser “aceito” através do voto dos senadores. Assim sendo, após o resultado da votação de 02 de setembro deste ano, estamos prestes a ter a reinserção destes produtos no mercado.

Lamentável.

De início, lamentável pelos resultados obtidos a partir do uso do medicamento. Queda de metabolismo, perda de massa muscular, pouca qualidade de manutenção dos “resultados”: peso perdido sem qualidade, e com grandiosíssima chance de efeito rebote, tornando o emagrecimento subsequente ainda mais difícil.

Mais adiante, lamentável pela sua condução. A medida será tomada a partir do consenso de senadores. Com todo o respeito aos seus cargos... Não creio que tenham expertise suficiente para determinar se dado medicamento é “bom” ou “ruim” à saúde da população. Sobre eles deveriam recair as decisões a partir das informações coletadas com os estudiosos no assunto – no caso, estes seriam a ANVISA, que proibiu a venda.

Mais além, lamentável pelos segundos interesses. A indústria farmacêutica é forte (e isso, enquanto argumento, basta).

Cá entre nós, este decreto legislativo é um retrocesso, não apenas na prática mas também na teoria do controle do peso, mais ainda quando se considera a saúde coletiva e o bem estar de uma sociedade.

Uma pena. Uma tristeza. Enfrentar conflitos de interesse sempre é muito difícil.


Creio que mais esforços deveriam ser somados em busca de políticas públicas em prol da saúde e da qualidade de vida da população, e que isto é um dever de todos os cargos políticos. No entanto, este decreto aqui, nada agrega a este favor... Aliás, muito pelo contrário.  




segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Por que não usar?

Me interesso muito pela dinâmica maquiavélica da Indústria da Dieta. 
Tenho um medo indescritível dos seus resultados e, justamente por isso, creio que ela não pode passar ilesa aos olhos, tão pouco aos comentários... 

Hoje, primeiro de setembro de 2014, no jornal nacional matinal da grande Rede Globo, uma matéria sobre o uso do HCG (clássico "hormônio da gravidez") sendo ilegalmente comercializado para promover a perda de peso, trouxe à tona este medo pessoal.

A reportagem contou com o flagrante de uma vendedora que diz, sem nenhum receio (e nenhuma vergonha) que a aplicação das ampolas, associadas a uma dieta de 500 calorias diárias (!) promoverá um emagrecimento "com saúde". Sei... 

Sem a pretensão de julgar, mas a título de uma consideração coerente, não me parece difícil a percepção de que esta conduta não é lá tão "saudável" assim... Ou me engano?

Continuando com a reportagem, foram consultados dois endocrinologistas sobre o assunto. Um deles, contra a prática (que inclusive não é aceita pelo conselho de medicina), assegura que a perda desenfreada de peso vem decorrente da restrição alimentar abusiva no período proposto e relata os problemas advindos do uso do dado hormônio... Problemas, permita-me a inferência, bem sérios, relacionados à complicações cardiovasculares (como infarto, derrames e tromboses...). 
Outro médico que, alegando ser "um paciente do HCG", diz que os resultados na prática são "muito bons", mas que os estudos... Termina ainda dizendo, com cara de quem faz e não se importa muito (literalmente dando de ombros), que se tem gente que tem resultados... Por que não fazer o uso? 

Pois então. Aí que vem a questão que anseio em responder! 

Não faça o uso, pois não é seguro, não se tem comprovação da eficácia do resultado (os estudos preliminares foram feitos na década de 60 e evoluíram muito pouco, permanecendo no estágio de investigação empírica) e, só para constar caso interesse, a prática não é legalizada.

Não faça uso, porque é um hormônio (protéico) de qualidades específicas e funções claras para o corpo, relacionados com a gravidez e a secreção de hormônios específicos... Quer mesmo mexer com isso? 

Não faça uso, porque o risco é eminente... Como a repercussão colateral atua no sistema cardiovascular, as consequências podem ser avassaladoras. Perder peso com maior risco de derrame? Porque?

Não faça uso, porque a "dieta" restritiva com 500 calorias vai te deixar triste, chateado(a), incomodado(a)... Vai tirar a cor do seu dia-a-dia. E se a felicidade cotidiana não te importar, não faça do mesmo modo, pois as 500 calorias diárias vão solar seu metabolismo no chão e depois vai ficar ainda mais difícil de conseguir perder gordura (e até mesmo o peso - já que ele é tão importante assim...).

Por fim, não faça uso, porque a vida é muito mais que isso. Muito mais do que perder peso a qualquer custo, apostando a saúde como moeda de troca. 

Por aqui, a militância continua. Hoje, não apenas "contra" a Indústria da Dieta, mas também contra a prática profissional incoerente e ao risco camuflado na confusão de conceitos (da beleza, da magreza, da estética e da saúde). 



http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/09/uso-de-hormonio-da-gravidez-para-emagrecer-traz-riscos-para-saude.html