De todos os desafios que a rotina me trás, atender meninas adolescentes
é, de longe, o mais difícil.
Quando entra aquela mocinha graciosa, de calça de moletom do
colégio (com a barra cortada à mão), cabelos em um coque bagunçado e unhas
coloridas, eu fico genuinamente aflita.
E aí, quando lanço a pergunta “então querida, no que posso te
ajudar?”, eu prendo a respiração, na torcida para não ouvir mais um “quero ser
magra”.
Minha torcida é (quase) sempre em vão.
O desejo-de-ser-magra é (quase) unânime.
Este desejo, por sua vez, é o início de um dominó de
insatisfações corporais, que são claramente pontuadas por cada uma destas
meninas, que tocam as partes dos seus corpos onde estariam as imperfeições e,
com cara de desgosto, dizem que querem mudar “exatamente lá”.
Ah... Como odiamos nossas barrigas! Nossos braços “maiores
do que deviam”, a sobra de gordura em cima da calça, o excesso embaixo do
sutiã... Odiamos simplesmente por odiar, porque a convenção delimitada pelos
nossos referenciais não é assim, e porque quando se é magra, se é “melhor”.
Quando, com um pouco mais de coragem, eu pergunto “mas, meu
bem, porque você quer emagrecer?”, a resposta que tenho varia na forma, mas não
em conteúdo. Nossas mocinhas querem ser magras porque: é “mais bonito”, irão
“chamar mais atenção”, serão “como as outras meninas”, a “roupa vai ficar
melhor”, os outros “vão gostar mais delas”... Os outros, os outros, os
outros...
Ao que me parece, queremos emagrecer pela competição de exposição e, sobretudo, pelos
outros. Até dizemos que é "para nós mesmos", mas este nós se faz em relação ao outro. Nossas jovenzinhas que querem emagrecer, acreditam que se tornam
melhores-para-os-outros quando estão conquistam um corpo magro (no sentido
lato: com menos gordura).
Seria muita ingenuidade minha perguntar “como é que chegamos
aqui”? Creio que sim.
Foi tudo, não foi? Tudo isso que nos cerca. Todas as
propagandas, todas as comédias românticas, todas as revistas femininas (e masculinas),
programas de televisão, desenhos animados e as novelas. Foram todas as vezes
que ouvimos que somos ou que devemos ser princesas, e quando todos os elogios direcionado
à nós foram referentes à nossa aparência (como você está linda!). Foram todas as
vezes que ouvimos pessoas falando dos corpos alheios e da referência de “bom e
de ruim” mediante a aparência física. Foram todas as vezes que ouvimos nossas
mães dizer que precisam emagrecer, que não cabem na roupa, ou que precisam
fazer dieta. Foram todas as vezes que o corpo foi considerado capital e
representador absoluto da qualidade da mulher... Foi tudo.
Na cultura do
quero-se-magra, as regras são claras, duras e de contornos bem delimitados. Os
valores são submetidos à crítica estética alheia: o corpo é o principal
representante do que se é, e do que se pode conquistar – então, vamos ao
nutricionista, ao endócrino, ao plástico, questionando o nosso corpo e querendo
ser "melhor", mesmo sem termos uma definição do que realmente seria esse melhor.
E então, quem nasceu mergulhado nesse contexto, são apenas
levados junto com a correnteza.
Correnteza essa que se fez, de fato, nas gerações anteriores... Eu você,
e aquele tudo de que eu me referia... Entende de onde vem a angústia? De como
estes atendimentos são desafiadores? Eles não são desafios fisiológicos são,
sobretudo, emocionais.
A expectativa metabólica é relativamente fácil de ser
cumprida. A emocional não.
E o que dizer de quando o objetivo não aceita variações?
No momento de testarmos a vida adulta de modo
descompromissado, de explorar oportunidades e de cultivar a liberdade, nossas
jovens preferem se fechar nas privações, nos “nãos”, na
dedicação-ao-treino-e-a-dieta, na regra, no padrão... Tudo em prol de um
benefício estético-corporal que nem se sabe muito bem o motivo, só se sabe que
se quer.
É... Pois é...
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