sábado, 1 de fevereiro de 2014

Por favor, não venha mexer no meu campo!

Pierre Bourdieu, pensador francês, fez interessantes considerações quanto a estrutura e inter-relação entre, o que ele denominou de agentes sociais.

Na situação que percebo hoje, acredito que vale a pena um breve resgate destas considerações.

Em seu raciocínio, as pessoas são "agrupadas" em campos sociais, conceito que se aplica a variados aspectos da vida (e da sociedade, por assim dizer). Como o exemplo que aqui nos cabe, a profissão é um dos fatores determinantes a este "agrupamento".
Pois bem, cada campo possui seus agentes específicos, que, por sua vez, ocupam posições específicas e travam relações de poder na disputa dos melhores espaços no seu interior. 

Para clarear um conceito bastante teórico, busquemos aqui um exemplo que nos auxilie: a área da nutrição.

Nutricionistas se organizam dentro do "campo social da nutrição" segundo suas respectivas qualidades. Poder e prestígio, são valores inerentes ao campo, decorrentes do conhecimento científico na ciência da nutrição. Por assim dizer, é este valor interno que determina as "melhores" e "piores" posições no campo.

Ainda segundo Bourdieu, os campos (e as relações dentro deles) podem sofrer interferências alheias à sua dinâmica própria, vindas de um agente externo cuja força é capaz de alterar o seu interior. Quando isso acontece, o poder e o prestígio social não mais é determinado apenas pelas forças internas, podendo enfraquecer a dinâmica e, não difícil, o valor interno.

Voltemos a nosso exemplo.

O campo da nutrição sofre uma série de interferências. Uma vez que a alimentação e a nutrição são necessárias a todos os organismos vivos, o objeto de estudo da nossa área acaba se tornando muito próximo às pessoas. De um modo geral, pode parecer que se trate de um "conhecimento comum", deixando as portas abertas para que todos infiram a este respeito. 

.Além desta proximidade natural, há de se considerar também a correlação entre a nutrição e o modelamento do corpo. A indiscutível ansiedade no consumo deste corpo, por assim dizer, torna a nutrição (ou as inferências populares e promissoras a respeito) uma pauta onipresente. 

Pronto. Está feito. A nutrição se consagra "na boca do povo".

Na contemporaneidade, quem tem voz, é quem realmente "existe". Se não se pronuncia, não se é "visto", logo, nem se quer "existe".

A exposição midiática na ponta dos dedos, através das redes sociais e dos adventos tecnológicos, faz com que a "voz" de quem se exponha seja, realmente, muito alta.

De tão alta, ela interfere nos campos sociais. Alterando as relações intra-campo, em uma entrave entre "quem estudou para ter o conhecimento" e  "quem está a gritar pelos quatro cantos do mundo sobre o assunto". Poder e prestígio sobre o determinado tema, assumem aqui uma característica distorcida, alheia ao seu campo original. 

Blogueiras, "intagramzeiras", "diqueiras"... Me desculpem, mas no nosso campo, a conversa é seria. Nossas relações são travadas pelo conhecimento científico, pautada em sólidas disciplinas como a bioquímica e a fisiologia. Aqui, no nosso campo, nossos resultados não vêm de milagres e promessas sem sustentação, tão pouco de propagandas.  Isso aqui é o nosso trabalho.

Para quem vê de fora, é fácil de se confundir com os falso status no campo social. A confusão é, sem dúvida, muito fácil. A exposição midiática - das pessoas e do próprio "conhecimento" que se prega - confunde a noção coletiva. 

Lamento muito. Quem sofre o real impacto, no fundo, não somos nós - aqui, do campo da nutrição - mas sim a coletividade, que se depara com uma falsa ciência e a aceita, entorpecida que está pelas promessas daquela que "conquistou o corpo desejado". Quem sai perdendo, em outras palavras, são os próprios "curtidores" que compartilham seu "#foco" e suas "#dicas". 

Por favor, queridas, não venham mexer no meu campo.  


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