sábado, 13 de agosto de 2016

Padrão de beleza: criatura & criador.

Ah, o tal padrão de beleza...

Tantos são os textos a seu respeito, as discussões sobre seus caprichos e, indignados que somos, tantas são as nossas acusações a seu imperialismo. Ele é duro e cheio de melindres. É difícil de ser conquistado, custa caro e não dá garantias de sua permanência.

O tal padrão é rigoroso e, em seu esquadro, poucos se encaixam. Manda a despeito do gênero, e finge não notar as diferentes faixas de idade: seduz crianças, instiga jovens, incomoda adultos e desalenta os já mais experientes.

O padrão é aquela beleza que se vê por aí, desfilando nas passarelas e nas ruas pelas quais não caminhamos. É a beleza da capa da revista e da novela, que está na modelo e na atriz famosa que não somos. É a beleza da propaganda de shampoo, de sorvete, de pasta de dente, de absorvente, que mostra uma beleza natural que, de fato, não temos. 

É uma beleza que não nos pertence. Uma beleza do outro. Que vive no outro. E que nos é constantemente prometida.  Nos é vendida enquanto intenção, e se faz desejo na prática.

É uma beleza que segue um padrão que não temos. Uma norma que não aceita a nossa. Linhas e formas que, de tanto se dizer natural, se naturalizaram. E assim segue, dia a dia, mês a mês, de geração em geração. 

O desejo de ser padrão é mais forte que a consciência de que o padrão, nada mais é do que o próprio desejo. E se a naturalização de um padrão já é suficiente para dar-lhe força, a naturalização de um desejo é então mandatária.  

Como negar algo tão orgânico?  Como não respeitar aquilo que é tão comum?

Queremos o padrão, buscamos encontrá-lo em qualquer detalhe, e fazemos tudo em seu favor. Construímos uma vida repleta de balizadores para conquistar algo que nos foi dito ser tão natural... E, sem querer, quem virou o padrão foi a vida que o promete.

E eis que os esforços em busca do padrão são então, igualmente, padronizados. Já os conhecemos e, no limite do possível (as vezes do impossível), os colocamos em prática. Optamos pela salada, pela água e por aquele lá: o de menor caloria. Escolhemos sem chantilly, só com adoçante, e o mais skinny. Pedimos sem molho, sem sal e sem graça. Reduzimos as porções, diminuímos o sabor e limitamos os bons momentos. Aumentamos a culpa do erro, enxugamos as lágrimas do descontentamento e seguimos na labuta pelo padrão – que afinal, e novamente, nos é tão natural.

Temos a consciência de que nosso padrão é maquiado, ajustado e retocado. Sabemos que é um desenho encantador e, muitas vezes, até sabemos que está lá para ser vendido enquanto desejo. Sabemos que a moça que come o chocolate na propaganda pouco o come de fato, e que aquela que desfila no jingle de cerveja dificilmente aceitaria o desafio de passar uma tarde sentada em um bar, consumindo da bebida que pagou seu cachê. Sabemos que os dentes não são assim brancos, que os cabelos não são assim brilhantes e que nem todo mundo é magro e esguio. Sabemos até mesmo, que as imagens são trabalhadas antes e depois de serem registradas, que a luz é de mentira, o retoque é cibernético e que, na vida real, este nosso padrão é uma invenção de beleza... Mas isso pouco importa. A norma continua lá, sempre lá.

O curioso é, que por mais distante que seja esse tal padrão, e que sua beleza nos pareça imposta, vivemos na dualidade de sua conivência e negação e, de fato, a adoramos como idealizadores dela que somos.

Insistimos em lhe fazer referência em terceira pessoa, mas somos criadores e mantenedores da sua destreza.

Padrão de beleza imposto? Sim, mas por quem exatamente?

 Idealizamos seus contornos e reforçamos seus desenhos. Aplaudimos suas normas nos outros e, dia a dia, nutrimos sua intocabilidade. Quem naturaliza o padrão não é “uma sociedade”, alí, lá longe...  Somos nós. Assim como  “padrão de beleza imposto”, também nos pertence, é criador e criatura do nosso próprio desejo.  

Ah, o tal padrão de beleza...

Fácil rechaça-lo no discurso, difícil é desdizê-lo em público. Fácil ser contra a sua imposição, difícil é abraçar a causa e a responsabilidade de fazer parte desta imposição. Fácil é nota-lo por ai, difícil é parar de consumi-lo. 


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