terça-feira, 24 de março de 2015

Bem Estar, campanha #afinarocha e o desserviço social.

Nesta segunda-feira, 23/3, o tema "principal" do conhecido programa abordou a perda de peso de um de seus apresentadores. 
Dentre os comentários e as "matérias" a seu respeito, eis que surge a figura da profissional que o acompanhou (uma colega de área, uma nutricionista) e, claro, traços da conduta nele aplicada.

Pois então... 
Novamente o emagrecimento, novamente a perda de peso, novamente as calorias... Não que seja um assunto velado - utopia que estamos bastante distante - mas será mesmo que é preciso que ele esteja tão em pauta? Que sejam tópicos tão frequentes? Será que isso ajuda mesmo a população a se conscientizar? Será que não promove, do modo com que é apresentado, ainda mais malefícios do que benefícios? 

Estão aí perguntas que (além de terem motivado minha dissertação de mestrado em 2013), creio que pouco teremos consenso nas suas respostas.

Mas... Isso não nos impede de questionar sempre que temos a chance. Não é mesmo? O conteúdo virou (nacionalmente) público, então podemos fazê-lo sem pedir licença.

A seguir então, algumas considerações: (vale lembrar que considerações não são acusações, tão pouco julgamentos.) :)

1-) Nosso corpo não é máquina. É afinado, alinhado e nos responde bem frente a estímulos, mas não é máquina... O pensamento biológico não é mecanicista. 
Me parece esquisito (para não dizer um pouco ultrapassado) uma orientação dietética ser baseada em calorias. Índice (na verdade carga) glicêmico(a), tudo bem, é lindo... Mas é mesmo que de 4000 passou-se a 800kcal/dia? É mesmo? Mesmo? Isso não vai bagunçar ainda mais esse metabolismo? Será que ele não ficará mais baixo, mais preguiçoso? Será que essa dieta não terá um platô próximo? Daqueles bem difíceis de sair? ... Mais ainda, será que é prudente expor, em rede nacional, que uma nutricionista assume uma dieta de "poucas calorias" para um homenzão daquele? Será que foi considerado que o programa passaria em televisões de pessoas bem esclarecidas, e outras nem tanto? Será que foi considerado que quase todas as pessoas são capazes de contar calorias? Será que lembraram que nutrição é uma ciência séria que não é "só" contar calorias, mas que ao "ensinar" a conduta, acaba dando o aval para ser reproduzida? Será que não consideraram o impacto em grande escala que isso poderia causar? Hum...

2-) A classe de profissionais da nutrição é complicada. Não apenas os nutricionistas, mas os nutrologos e os endocrinologistas e todo o aparato técnico que se "prepara" para trabalhar na aérea. Não à toa temos tantos problemas com dissonância de condutas (muito embora eu, particularmente, as perceba de modo positivo - tem nutricionista para tudo que é gosto!). No programa, no entanto, qual foi a atuação/atitude da colega? Mandona, né? Será que isso depõe à favor? Será que é este mesmo o modelo (que respeita o estereótipo) que queremos ter? Será que bem nos representa? No limite, será que é possível representar uma classe tão plural? Pensando novamente em grande escala, será que foi uma boa propaganda para nutricionistas de todo país? (Será que somos assim na maioria?). Não pareceu que somos fiscais-do-comer? Eu hein...?

3-) No modo com que foi apresentado - o prato-de-comida-que-só-tinha-salada e a dificuldade-da-privação-dos-eventos-sociais - a dieta pareceu dura. Daquelas que prega mesmo o modelo mecanicista de cálculo de comida e desconsidera a vida do paciente/cliente. Será que, para emagrecer, é preciso tirar da vida tudo o que se gosta? Será que temos resultados bons (fiéis, duradouros, reais...) assim? Será que o cidadão que segue, no intuito de perda de peso, aceita ser infeliz? Se privar de tal modo? Mais ainda, e voltando ao profissional, será que é isso que queremos "vender"? De novo, será que foi essa uma boa publicidade? Será que isso encoraja pessoas a buscarem novos hábitos de vida? Ou será que "o saudável" pareceu ainda mais distante "do real"? Será que (nós) temos o direito de mexer de tal modo na vida do outro? Será que merecemos ser taxadas deste modo?  Não sei não... Não gostei dessa ideia não...

4-) #afinarocha - "campanha" em prol do emagrecimento do apresentador: 21kg em 2 meses. É isso mesmo? É sério? Campanha para o emagrecimento acelerado...? Que expectativas isso gera? Qual o benefício real nisso tudo? Uma campanha? Com hashtag e tudo? Esta bem.

É uma pena. 
Eu lamento muito.

O que me entristece, além da contra-propaganda e da promoção errada do conceito da profissão é, principalmente o mau uso da informação pública. Com a abrangência que se tem, vestidos de "doutores" (com a chancela de "qualidade" da emissora) propagam valores que se vendem em troca de audiência... Isso tudo em uma sociedade já cheia de problemas ligados à alimentação: quer sejam pelo seu excesso, quer sejam pelas restrições. 




http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/03/fernando-rocha-encara-dieta-para-emagrecer-ate-21-kg-em-dois-meses.html

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